CONTO – UM CONDOMÍNIO CHAMADO “EU” SAMANTHA

SAMANTHA.02Um condomínio denominado “Eu”

A reunião estava prestes a começar. Os presentes se ajeitavam nas cadeiras, os mais agitados reclamavam da demora; outros estavam digitando ao celular como se num mundo paralelo – o celular faz isso com as pessoas – e também alguns que se encontravam concentrados aguardando o início. As crianças circulavam entre os presentes e faziam aquilo que mais gostavam: brincavam e se divertiam como nunca. Ao vê-las, era possível transformar a sala num verdadeiro playground.

Uma infinidade de pessoas fora convocada, afinal tratava-se de um condomínio imenso. Algumas figuras se destacavam por suas características.

No canto da sala, ela com um belo vestido vermelho, o qual contornava a silhueta como uma pintura em tela, sublinhando cada detalhe das chamativas curvas sinuosas, inclusive o decote que parcialmente exibia os seios cuidadosamente esculpidos. No semblante da bela face, os lábios bem definidos num sobre-tom cereja traziam um sorriso irônico, destacando ainda mais aquele par de olhos amendoados negros os quais contrastavam com a beleza dos longos cabelos pretos encaracolados. Com certeza não lhe agradava muito estar ali, mas por ser residente no conjunto se fazia necessário a sua presença. Sendo assim a mente dela viajava ao ver tantas figuras patéticas e crentes que fariam “o mundo melhor” e então ela até conseguia achar divertido estar ali.

Na primeira fileira, com um bloco e uma caneta azul, outra mulher estava rabiscando aquelas que seriam as pontuações pertinentes ao bem estar do condomínio, claro, sob a sua ótica conservadora e inflexível. Dentro daquele suéter azul petróleo habitava sentimentos polidos de revolta e austeridade, sendo deixados de lado apenas para ajeitar os cabelos loiros e lisos que insistiam em cair sobre os óculos; o acessório que reforçava ainda mais seu ar de intelectual. Afinal ela acreditava dominar todo o funcionamento daquele condomínio mais, até, que o próprio síndico.

Por falar em Síndico, a figura deste era um misto de simplicidade e sabedoria. O olhar, castanhos como o tronco forte de uma árvore, era acolhedor e lembrava a figura de um ancião. De maneira pontual e equilibrada, sua face demonstrava atenção e respeito àqueles que residiam nesse espaço coletivo.

No meio da sala, de forma discreta, mas solícita, a moça, timidamente sentada. Notável que se sentia um tanto incomodada por estar ali, pois sabia que desde que se adotaram essas reuniões as pessoas se agitavam e as opiniões resultavam em discussões e animosidade entre aqueles que não sabiam conviver em harmonia. O rabo de cavalo estava construído dos cabelos escuros, e a fisionomia serena e afetuosa a deixava tão meiga como uma criança dando a impressão que os anos não passavam para ela. O branco de suas vestes deixava-a parecer aquela que salvaria a todos. E assim ela tentava agradar a todos… menos a si mesma.

De repente o Síndico, com olhar solene pede a atenção de todos e dá início àquela reunião, que embora não aparentasse, poderia mudar para sempre as suas vidas.

Começou a introdução sobre os assuntos da pauta, os quais de forma resumida envolviam a convivência entre os moradores, pois, como todo condomínio que se preze, a conscientização se faz necessária.

A reunião seguia bem, afinal foram comentadas apenas as informações de praxe, mas, por ironia da vida, contudo, em favor do bem estar comum, acaba emergindo os conceitos mais complexos de todos os tempos, as definições que trazem maiores discussões possíveis, ou seja, o que era certo e errado no condomínio.

E esses temas quando levantados puxam à tona, pensamentos, comportamentos e sentimentos dos presentes e nesta hora surgem os conflitos hilários e até mesmo caóticos. Assim como uma enxurrada, as diversas formas de pensar são despejadas no Síndico.

E foi aí, quando o falatório tomou conta da sala, que o síndico balançou a cabeça, sem perder o otimismo, mas consciente das dificuldades, e disse para si mesmo: “Ainda não será desta vez que eles conseguirão conviver em harmonia. Consultem a agenda, pois serão necessárias muitas e muitas reuniões.”

Samantha
12/04/15, às 01:40 hs.

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