ENTREVISTA COM MARIO NITSCHE – PRISCILA DOMINGUES

Serra do Mar_Conjunto Marumbi
Priscila Como percebeu que o seu destino era escrever, Mario? 

Mario 

Priscila. Nossa! O meu destino… Destino, uma palavra solene. Deixe me ver. Lembro-me que quando era garoto escrevi uns contos e (você não vai acreditar!) uma peça de teatro. O fiz por puro prazer e vontade de escrever. Guardei os numa caixa de camisa e um dia numa dessas avassaladoras limpezas que o Homo sapiens faz, lá na minha casa, foi tudo para o ar. Literalmente quando vi minha peça de teatro tinha terminado… de existir. 

Priscila 

Não diga. Que pena! E quais os passatempos que te levaram a querer contar histórias? 

Mario 

A vontade de contar histórias, Priscila, se não nasceu comigo, baixou em mim logo depois e foi estimulada pelos meus avôs! Eles vieram do sul de São Paulo com uma passagem pelo norte do Paraná em meio de uma verdadeira Odisseia com lutas impressionantes, duras. E, principalmente, minha avó contava tudo com cores, fogo e sangue! Priscila você tinha que ouvir minha avó contando um bom “causo” de assombração! Uma mestra. 

Priscila 

Que medo! Bem e de onde vêm os personagens? São baseados em pessoas reais ou fatos?

Mario

Personagens? Ótima pergunta. Os meus personagens vêm de pelo menos três fontes.  Uma. Das circunstâncias que me envolvem e para explicá-las uso as crônicas e reescrevo mitologia – que não conheço bem, mas gosto muito de ler. Um exemplo é a divina Ella, minha sereia com a qual comecei uma amizade em São Francisco do Sul quando eu estava lá terminando o Amor Maior. Ella – como uma boa sereia – só fala comigo, tá. Outra fonte são pessoas que conheço e acompanho suas vidas e o como elas decidem frente ao grande desafio da vida. Priscila, as pessoas agem frente ao desafio e criam fatos e eles têm implicações!  E os mais interessantes personagens aparecem nas histórias de vida que ouço com a força da vida daqueles que as contam! Uso a minha intuição também. Você nem imagina como a intuição é importante!

Priscila

Concordo. Qual o primeiro livro que te inspirou/incentivou a escrever?

Mario

O primeiro livro? Do grande, o fascinante Monteiro Lobato! Depois revistas e após disso passei uma fase que li tanto que fiquei doente. Sarei e decidi ler menos e me aventurar mais!  Eu já tinha uns 18 anos neste ponto! Mais tarde logo depois que me formei em odontologia, fiz quase um ano de Filosofia Pura para “me manter pensando” e devorei os pensamentos de filósofos antigos e atuais.  Também li alguns livros sobre a História da Filosofia. Dei uma pausa na filosofia para começar a clínica em odonto.

Priscila

Incrível! Mario me conte se você tem um personagem favorito na literatura. E, se tem, por que ele é importante?

Mario

Gosto de muitos. E são dois os personagens que me carcaram. Um deles é o universal Riobaldo, atirador itinerante do sertão que de jagunço virou fazendeiro e viveu no seu mundo, o Sertão e seus caminhos com espírito de aprender e lutar duro. A maravilha inigualável de João Guimarães Rosa: O GRANDE SERTÃO: VEREDAS.  A Odisseia brasileira tão importante quanto à dos clássicos gregos. Outro é Sinuhe O EGÍPCIO, de Mika Waltari. Recém nascido Sinuhe foi colocado num barco de verga no Nilo e criado por um casal egípcio. Depois se tornou médico como o pai e participou de uma época chave na história do Egito. Toda a vida dele está magistralmente escrita em momentos vivos. Como a de Riobaldo.

Priscila

O que te inspira na hora de escrever? Um lugar, um filme, uma música…

Mario

Priscila… Você não vai acreditar, mas o que me ajuda muito a escrever é o silêncio, o estar só e escrevendo… só. Por isso na fase final de um livro eu saio me enfio em algum lugar – São Francisco do Sul um exemplo – e escrevo horas, me esqueço de comer e caminho bastante! Caminhar e escrever tem muito em comum.

Priscila

O que mais gosta nas suas próprias histórias?

Mario

Gosto muito quando consigo ser natural e descrever uma cena, um pensamento de um modo mais simples e criativo ou quando consigo passar um princípio de vida.

Priscila

O que mudou na sua vida após começar a escrever?

Mario

Algo mudou sim. Nem sei direito. Mas me sinto mais organizado, mais dono do meu tempo e com uma sensibilidade mais acurada na arte de observar, ver e procurar me colocar na pele da pessoa ou coisa observada.  Um dia numa das minhas caminhadas urbanas vi um carrinheiro. Um senhor simpático, alto, magro. Alguma semelhança com o meu avô. Passei por ele e observei que no seu carrinho havia pouca coisa e uma mesa com uma perna quebrada. Espontaneamente dei um dinheiro para ele tomar um café e começamos um papo que durou quase duas horas. Ele me contou o seu dia andando por Curitiba catando coisas que poderiam ser vendáveis e falou sobre aspectos da cidade que eu não tinha observado. Desta conversa surgiu o conto O DESCANSO DO HOMEM que foi também o nome do meu primeiro livro.

Priscila

Pretende continuar escrevendo, Mario?

Mario

Como você falou logo no começo é o destino e com ele eu não discuto. E sempre continuamos, todos nós.

Priscila

Como é a sua relação com os leitores?

Mario

Tenho poucos e bons leitores.  Mantenho um bom diálogo com alguns por e-mail ou mesmo pessoalmente. Discutimos. Gosto de sugestões e críticas construtivas. Quero sempre saber se ajudei, comuniquei… e, principalmente, o que foi que ficou. Uma relação agradável que nem precisa ser discutida. Sabe que o discutir a relação é uma coisa muito chata. Priscila, muito obrigado pelas perguntas. Nada como um bom papo. Vou te contar o meu foco sobre o escrever. Sabe que o exercício de criar histórias expondo conceitos ajuda a pensar. Neste processo de pensamento o mais importante até do que as respostas são as PERGUNTAS NOVAS que vislumbramos! Um bom aventureiro no mundo de hoje necessita de perguntas novas como de ar! Deixo com você o coração de todas as veredas do Grande Sertão do Guimarães Rosa, desenhado pela vida do Riobaldo o jagunço atirador na suas andanças e a luta contra a morte:

“Serras que se vão saindo para destapar outras serras. Tem de todas as coisas. Vivendo se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas.” Guimarães Rosa

Um abração.

 

 

 

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