BATE PAPO COM O LEITOR – Trecho de ‘A Caçarola’ no DESCANSO DO HOMEM

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“Quando percebemos isso sentimos que era a hora de aprender a andar. Mudar a atitude, tirar o melhor proveito da situação em que estávamos. Abandonamos toda a esperança… E, também abandonamos todo o medo. E assim aceitamos nosso destino”.

O Descanso do Homem, A Caçarola, páginas 79/80.

Pergunta:

“Mario o trecho não é negativo, pessimista e contrário ao que todos nós esperamos de esperança? Será que dá para viver assim, abandonando toda a esperança e aceitar passivamente o nosso destino? Isso não seria fatalismo?”.

MARIO

Daniel, O André o cronista do conto, fala a frase logo após eles entrarem na floresta saindo da casa que caminhava para a ruína.

O ser humano funciona, vive e morre alimentado no corpo e alma pela esperança. Uma mulher se veste, se enfeita e se produz com a esperança de ser vista, admirada, elogiada… cortejada.

Um homem faz cursos melhora a sua performance profissional com esperança de subir na carreira, ganhar mais e comprar uma casa ou um carro e manter a sua família.

Somos profundamente orientados no sentido da esperança até nas mínimas coisas! Trabalhamos melhor quando sabemos que vamos receber um pouco melhor. Todo o nosso arcabouço anda assim. Se vamos bem ou não depende do fato que a esperança está sendo alcançada em partes o que nos anima a ir para frente.

Mas, a história, a vida e os mitos nos contam que em algumas situações precisamos agir sem a mínima esperança e dar o melhor de nós!

Nos documentos do Novo Testamento há o relato dos últimos momentos do khristós. Pregado na cruz, olhando o mundo de mais acima ele constatou um fato conclusivo. Uma impressionante ignorância assolava o homem! Como conseqüência falou ao criador: “Pai perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem!” Dali ele via seus amigos, sua família, os soldados romanos e a liderança religiosa que o havia pregado na cruz pelas mãos de Pilatos. A despeito da imensa dor, viu a profunda ignorância do ser humano!

Veja que ele não estava agradando ninguém! Não estava politicamente tentando sair da cruz. Não estava querendo impressionar a torcida… Não havia esperança e nem torcida para ele. Só o sofrimento brutal e morte na agenda do dia. Assim mesmo não amaldiçoou e nem esbravejou! Descobriu que só o grande criativo Criador pode perdoar… e perdoar o pior do ser humano: uma sólida e completa Ignorância que cria poder aos religiosos profissionais para manipular a culpa e a vida das pessoas…

A falta de esperança e a aceitação da sua sorte o ajudaram a ver com nitidez e a fazer o melhor mesmo em circunstâncias dramáticas e finais. Perdoar!

Voltemos aos três amigos que deixaram a CASA.

A casa era um ambiente fechado em si mesmo. Uma finalidade em si… Respirava e andava na base dos seus próprios conselhos. Cultura monolítica. Seus habitantes polarizaram tudo em dois partidos fechados. Tanto faz se a favor do caixote ou contra eram todos iguais. Individualistas. Partidarismo exacerbado caminhando para o choque.

À medida que a crise crescia como um mar rugindo, os salvadores chegaram prometendo de tudo! A tensão aumentou e os três, Cláudio, Therezinha e André mantiveram firmes seus pensamentos, envoltos e fiéis numa difícil liberdade pessoal e se recusaram a entrar na loucura de um lado ou outro. Viam, observavam e temiam. Com a ajuda do três mensageiros vindo de fora da casa, um dia saíram para o mundo lá fora. O mundo real, duro, o que existia…

E existe.

Em saindo perderam sua referência; seus amigos, seus relacionamentos e a segurança artificial, as luzes, a falsa estabilidade, as causas… Mas, no fundo, estavam acostumados a tudo isso. Nos adaptamos a uma coisa ruim! E ela se torna familiar. Foi um salto para o desconhecido! Foi uma ida à aventura de viver.

Tudo na floresta era bonito, novo e muito perigoso! A possibilidade de não terminar o dia vivo era grande . O medo era o estado de alma comum. Não tinham esperança e isso doía muito… Ir para onde?

Por isso decidiram viver um dia de cada vez; aprender a andar pela mata e seguir o conselho de um dos deuses: “não entrar em batalhas desnecessárias”. E o mais importante de tudo: aprender a interagir uns com os outros! Interdepender saudavelmente uns dos outros. Cuidarem-se e se conhecerem melhor. E jogaram fora toda a esperança de plástico. Decidiram fazer o pouco que tinham num dia com maestria e aprender e andar.

Também eles jogaram fora todo o medo.

Na floresta esperanças irrelevantes ou meramente acessórias não iriam ajudá-los. O medo bloqueia. Descobriram o próximo passo: uma boa atitude mesmo que, quem sabe, iriam morrer. Ou não. Mas a atitude era fundamental. Aceitação incondicional do que se tem no momento. Do que é!

Por isso quando a floresta os deixou…-quando eles estavam prontos-, eles viram as luzes de uma outra casa e se animaram! Correram. Therezinha abraçou-os e resumiu a experiência:

“Não tenham medo, agora sabemos bem o que SER”.

Veja que ela não disse: ter ou fazer… E sim SER! A floresta foi um grande treinamento para o caráter deles e ficaram melhores com um conhecimento amplo do que significava a ESSÊNCIA da vida. Agora, provavelmente, numa nova CASA poderiam fazer uma diferença!… E não apenas sair.

Há um momento na vida que para aprender um pouco mais da verdade, temos que fazer o melhor possível SEM ESPERANÇA. Um mar de ignorância nos cerca como  o khristós viu da sua cruz.

E é bom não esquecer que “Para todo o projeto há um tempo e um modo porque é grande o mal que pesa sobre o homem” expressou o Rei Salomão do alto da sua sabedoria”.  

Principalmente para um projeto como esse… Crescer como indivíduo e sair da multidão!

Um abraço,

Mário

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